O firmamento
Glória Deus! Eis aberto o
livro imenso,
O livro do infinito,
Onde em mil letras de fulgor
intenso
Seu nome adoro escrito.
Eis do seu tabernáculo
corrida
Uma ponta do véu misterioso:
Desprende as asas,
remontando à vida,
Alma que anseias pelo eterno
gozo!
Estrelas, que brilhais
nessas moradas,
Quais são vossos destinos?
Vós sois, vós sois as
lâmpadas sagradas
De seus umbrais divinos.
Pululando do selo
onipotente,
E sumidas por fim na
eternidade,
Sois as faíscas do seu carro
ardente
A rolar através da
imensidade.
E cada qual de vós um astro
encerra,
Um Sol que apenas vejo,
Monarca doutros mundos como
a terra
Que formam seu cortejo.
Ninguém pode contar-vos:
quem pudera
Esses mundos contar a que
dais vida,
Escuros para nós, qual nossa
esfera
Vos é nas trevas da amplidão
sumida.
Mas vós perto brilhais, no
fundo acesas
Do trono soberano;
Quem vos há de seguir nas
profundezas
Desse infinito oceano?
E quem há de contar-vos
nessas plagas
Que os céus ostentam de
brilhante alvura,
Lá onde sua mão sustém as
vagas
Dos sóis que um dia romperão
na altura?
E tudo outrora na mudez
jazia,
Nos véus do frio nada;
Reinava a noite escura; a
luz do dia
Era em Deus concentrada.
Ele falou! e as sombras mim
momento
Se dissiparam na amplidão
distante!
Ele falou! e o vasto
Armamento
Seu véu de mundos desfraldou
ovante!
E tudo despertou, e tudo
gira imerso em seus fulgores;
E cada mundo é sonorosa lira
Cantando os seus louvores.
Cantai, ó mundos que o seu
braço impele,
Harpas da criação, fachos do
dia,
Cantai louvor universal
Àquele,
Que vos sustenta e nos
espaços guia!
Terra, globo que geras nas
entranhas
Meu ser, o ser humano,
Que és tu com teus vulcões,
tuas montanhas,
E com teu vasto oceano?
Tu és um grão de areia
arrebatado
Por esse imenso turbilhão de
mundos
Em volta de seu trono
levantado
Do universo nos seios mais
profundos.
E tu, homem, que és tu, ente
mesquinho
Quando soberbo te elevas,
Buscando sem cessar abrir
caminho
Por tuas densas trevas?
Que és tu com teus impérios
e colossos?
um átomo sutil, um frouxo
alento!
Tu vives um instante, e de
teus ossos
Só restam cinzas, que sacode
o vento.
Mas ah! tu pensas, e o girar
dos orbes
À razão encadeias;
Tu pensas, e inspirado em
Deus te absorves
Na chama das idéias:
Alegra-te, imortal, que esse
alto lume
Não morre em trevas num
jazigo escasso!
Glória a Deus, que num átomo
resume
O pensamento que transcende
o espaço!
Caminha, ó rei da terra! se
inda és pobre
Conquista áureo destino,
E de século em século mais
nobre
Eleva a Deus teu hino;
E tu, ó terra, nos floridos
mantos
Abriga os filhos que em teu
seio geras,
E teu canto de amor reúne
aos cantos
Que a Deus se elevam de
milhões de esferas!
Dizem que já sem forças,
Moribunda,
Tu vergas decadente:
Oh! Não! De tanto Sol que
te circunda
Teu Sol inda é fulgente;
Tu és jovem ainda: a cada
passo
Tu assistes de um mundo às
agonias,
E rolas entretanto nesse
espaço
Coberta de perfumes e
harmonias.
Mas ai! tu findarás! Além
cintila
Hoje um astro brilhante;
Amanhã ei-lo treme, ei-lo
vacila,
E fenece arquejante.
Quem foi? Quem o apagou?
Foi seu alento
Que extinguiu essa luz já
fatigada,
Foram séculos mil, foi um
momento
Que a eternidade fez volver
ao nada.
Um dia, quem o sabe? um dia
ao peso
Dos anos e ruínas,
Tu cairás nesse vulcão aceso
Que teu Sol denominas;
E teus irmãos também, esses
planetas
Que a mesma vida, a mesma
luz inflama,
Atraídos enfim, quais
borboletas,
Cairão como tu na mesma
chama!
Então, ó Sol, então nesse
áureo trono,
Que farás tu ainda,
Monarca solitário, e em
abandono,
Com tua glória finda?
Tu findarás também, a fria
morte
Alcançará teu carro
chamejante:
Ela te segue, e profetiza a
sorte
Nessas manchas que toldam
teu semblante.
Que são elas? Talvez os
restos frios
De algum antigo mundo,
Que inda referve em
borbotões sombrios
No teu seio profundo,
Talvez, e envolta pouco e
pouco a frente
Nas cinzas sepulcrais de
cada filho,
Debaixo deles todos de
repente
Apagarás teu vacilante
brilho.
E as sombras passarão no
vasto império
Que teu facho alumia;
Mas que vale de menos um
saltério
Dos orbes na harmonia?
Outro Sol como tu, outras
esferas
Virão no espaço descansar
seu hino,
Renovando nos sítios onde
imperas
Do Sol dos Sóis o resplendor
divino.
Glória a seu nome! Um dia
meditando
Outro céu mais perfeito,
O céu d'agora ao seu altivo
mando
Talvez caia desfeito.
Então mundos, estrelas, Sóis
brilhantes,
Qual bando d’águias na
amplidão disperso,
Chocando-se em destroços
fumegantes,
Desabarão no fundo do
universo.
Então a vida, refluindo ao
seio
Do foco soberano,
Parará concentrando-se no
meio
Desse infinito oceano:
E, acabado por fim quanto
fulgura,
Apenas restarão na
imensidade:
— O silêncio, aguardando a
voz futura,
O trono de Jeová, e a
eternidade!
Antonio Augusto Soares de Passos
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