A teia de aranha

 

Curvado sobre lúrida terrina
Magra sopa a engolir com fome brava

À luz de fumarenta lamparina
Um sábio meditava.

E dizia o tristonho olhar volvendo
Por todo o quarto solitário e imundo:-
-"Quantas coisas à toa andam enchendo
Este estúpido mundo.

Para que é que estes livros foram feitos?
As ciências estudei uma por uma
E conheço, pois não, muitos efeitos
Porém, causa, nenhuma.

De dúvidas e hipóteses, mil tomos
Ou mais tem feito a lógica sem calma
Os absurdos nos vencem, cegos somos
De inteligência e de alma

Quantas coisas à toa! A vida é pura
Visão. O amor...quimera. O bem...fumaça,
Nuvem fugaz. As glória e a formosura...
Relâmpago que passa.

E a matéria? Eu, daqui, vejo quanto ela
É mísera, imprestável e tacanha.
De que é que serve, ali no canto, aquela
Suja teia de aranha?"

Dizendo assim, num duro pão que toma
Em vão os dentes finca famulento.
Impossível tentamem. Há quem coma
Um naco de cimento?

Por isso, enfurecido, ei-lo tirando
Do bolso uma arma que afinal lhe valha.
E o pão na mão esquerda segurando
Crava-lhe uma navalha.

Não foi riso, foi quérulo gemido
Que ele soltou ao ver desalentado
Que tinha, fundamente, a mão ferido
Sem ter o pão cortado.

Da mão, o sangue rápido corria,
Qual quebrado o garrafão, o vinho.
E o filósofo embalde o olhar volvia
Pelo quarto mesquinho.

A ver se aquela hemorragia estanca.
Enfim lhe acode a salvadora idéia.
-"Bendito seja Deus!" Exclama, e arranca
Da aranha a suja teia.

Por cima da ferida logo aplica.
Detem-se o sangue como por encanto.
E o pão, o duro pão, macio fica
Graças ao sábio, o pranto.

Úteis, no mundo, são as coisas comuns.
O grão de areia, a palha abandonada,
Entre os homens somente é que há alguns
Que não serviram nunca para nada.


                                                           Basílio de Magalhães